So Vast is Art, Brasil 2012 – PT

  

/ Entrevistado por Juliana D Choufi

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Fupete DSC 0181 940x629 500x334 So Vast is Art, Brasil 2012   PT

portrait courtesy Giselle Galvao, Sao Paulo Brasil 2012

 
Fupete e Erika Nasonero são os nomes por trás do projeto Fupete. O casal vive e trabalha junto há sete anos. Como um perfeito casal italiano, eles me avisam que os dois discordam muito entre si, mas como você poderá perceber no final desta entrevista, eles estão em total sincronia e sintonia. Devo dizer que foi um prazer conversar com esses dois artistas queridos e brilhantes que me levaram ao campo das memórias e dividiram as suas reflexões e pensamentos sobre vida, trabalho e inspiração.

Como você se envolveu com artes?
Fupete: Fácil. Meu avô era um pintor. Ele fez parte dos pintores clássicos italianos do século passado, do início do século; o grupo era chamado Macchiaioli. Ele pintava paisagens impressionistas. Ele começou a pintar por volta de seus 40 anos e pintou até 81 ou 82 anos de idade. Como pintor ele sustentou toda a sua família. Ele não era um artista famoso; pintura era o seu trabalho. Ele teve uma galeria durante 40 anos. Ele não chegou a ser rico, mas ele conseguiu sustentar bem a família. Ele morreu quando eu tinha 14 anos então eu não tive tempo suficiente para compartilhar com ele sobre a arte ou qualquer outra coisa, mas todos os dias da minha vida, eu lembro do cheiro da tinta a óleo. Quando eu era criança eu costumava vê-lo pintar bem ao lado dele. Eu não estudei artes, mas passei anos pensando sobre essas memórias e percebi que queria ser um artista. Eu estudei outras coisas, como Engenharia, mas no final voltei a essa imagem, essa memória… Ele era também um ator, um cara muito louco! Seu nome era Giacomo e ele fazia parte do Teatro Vernacular.
Erika: Pra mim foi completamente diferente. Ninguém na minha família gosta de arte. Quando eu tinha 18 anos comecei a estudar História da Arte na universidade e rapidamente comecei a gerenciar e organizar exposições e festivais. Eu sou uma curadora. Nosso relacionamento é ‘complicado’ (referindo-se ao seu relacionamento com Fupete), porque eu sou curadora, mas também sua assistente e neste trabalho para NOVA tivemas a idéia juntos.
Fupete: Estamos pensando juntos há muitos anos. Fupete é um trabalho que costumava ser só meu, mas de seis anos pra cá, desde que estamos juntos, há muito sobre a nossa relação que reflete no trabalho. Há anos que temos vontade de fazer algo parecido com Jean Claude, uma obra que está totalmente relacionada com o relacionamento deles. No nosso caso é a mesma coisa. Vivemos juntos 24 horas por dia.

Qual é a história por trás do nome FUPETE?
F: Eu posso contar esta história de muitas maneiras, pode ser muito fascinante ou muito simples. Meu sobrinho nasceu na Espanha, e quando tinha cerca de dois anos, ele costumava dizer essa frase o tempo todo “Quiero un fupete” que significa “Quero um fupete”. Isso era na verdade um erro de linguagem, um erro de criança, ele não era capaz de pronunciar o “ch” e dizer a palavra correta que é “Quiero un chupete”, que quer dizer “Quero uma chupeta”. Naquela época, eu estava fazendo minha primeira série de pintura e pensando em ser um artista profissional e eu estava procurando um nome. Eu cresci em uma cultura de apelidos e meu nome não é um segredo, mas eu adoro viver uma segunda vida. Eu posso escolher ser o que eu quiser. Quando meu sobrinho estava pedindo um “fupete” fiquei intrigado com esta palavra. Então, é uma palavra inventada pelo meu sobrinho. A palavra não existe. Eu achei que foi perfeito! Já que é uma palavra que não existe, se você procurar Fupete no google, só aparece o meu trabalho! Há também alguns livros de Leonardo que aparecem sob o nome Fupete, mas eu não consegui entender o que é. Talvez seja um erro também. (risos)

Vocês podem falar um pouco sobre o trabalho que estão desenvolvendo aqui?
F: O título deste trabalho é “Raw Canvas” (Tela Crua) e é uma nova série de trabalhos que estamos planejando fazer há muitos meses. Nos últimos anos, a maioria dos meus trabalhos para exposições, minhas pinturas, meus desenhos saem fora dos limites da tela. Gosto de cobrir as paredes da galeria ou o lugar que o trabalho está sendo apresentado. Muitos jornalistas têm relacionado meus trabalhos com Street Art ou arte urbana, porque eu comecei a fazer arte quando estava em Roma e a maioria dos meus amigos são artistas de rua lá, mas meu trabalho é diferente disso, eu apenas não quero ter limites. E a tela é um limite para mim. A idéia do trabalho, para mim, é que ele ainda permaneça entendido como Belas Artes, porque eu era criança e via meu avô pintar telas e ele era um artista plástico de Belas Artes e para mim isso era incrível! Eu sempre sonhei ser como ele. Meu trabalho está principalmente relacionado com limites e fronteiras. A idéia aqui é ter uma tela clássica, uma tela emoldurada que é esticada tentando escapar os limites e as formas convencionais. Assim que terminar, vai ser mais como uma escultura. Eu ainda tenho que pintar para chegar na minha ideia, para ser como uma tela real. Quero passar a idéia de isso aqui que é apenas uma pintura, é uma pintura tentando não ter limites.
E: Essa idéia também vem da idéia do NOVA. Este é um festival onde a experimentação é muito apreciada e por isso pensamos muito sobre algum tipo de trabalho que também caminhe nessa direção. Nós pensamos que estaríamos livres para fazer algo muito grande também.
F: A ideia é ter algo fluído que entra no espaço. No final será gráfico também por causa da pintura.
E: Esse trabalho também nos permite criar formas redondas e circulares, algo que normalmente seria impossível para uma tela.
F: Este trabalho poderia ter sido feito em outros materiais, as pessoas nos perguntam por que não fazê-lo em um tecido qualquer ou outros materiais como o silicone. A ideia é a utilização de uma tela real, o mesmo material que utilizaria para esticar sobre uma armação. Queremos relacionar este trabalho com a pintura.
E: A idéia é estender a tela. No final, é só isso.
F: Sim. Muito simples. E nós ficamos muito surpresos, porque em todas as nossas pesquisas, podemos estar equivocados, mas vimos que ninguém fez isso antes.
E: Nós queríamos fazer algo que não existisse.
F: Quando tivemos essa idéia pensamos que um monte de gente já teria feito isso, mas só encontramos algumas experiências sobre este tipo de trabalho, e eram todas muito pequenas e isso é muito estranho, porque esse material é muito barato, é apenas madeira e lona crua. Eu amo ter uma pintura clássica na parede da minha casa, ou um pôster clássico. Eu também gosto de pintar telas clássicas, e adoraria que as pessoas tivessem o meu trabalho na parede de suas casas, mas aí eu penso: “Por que não estendê-la? Por que não abrir a tela e tentar ver o que tem dentro?”.
E: Eu espero que o trabalho fique muito bom!
F: Nos últimos anos a gente aprendeu bastante e estamos mais corajosos e ousados. Agora temos a coragem de fazer este tipo de trabalho em museus ou outros festivais pela primeira vez, sem testar antes. Além disso, o método que estamos usando vai se apresentando minuto a minuto. Estamos inventando! (risos)
E: Inventando bastante. (risos)

Então vocês improvisam?
F&E: Sim! Muito!
F: A maioria do meu trabalho é em cima de improvisação. A maior parte do trabalho dela (aponta para Erika) é improvisado também. Quando curamos eventos ou exposições de outros artistas, a forma como o fazemos está estritamente relacionada à ação do artista. Então, este festival é perfeito para o nosso trabalho! É perfeito para nós. A nossa vida é um trabalho em andamento. Vivemos em um grande “work in progress”. (risos)
E: É muito importante acreditar no nosso trabalho e em nós mesmos. Isso é essencial para podermos fazer coisas novas. Você concorda? (rindo e olhando para Fupete)
F: É verdade! Nós estávamos em Roma e estávamos ocupados…
E: A gente discorda muito um do outro. (risos)
F: Tivemos uma galeria em Roma por alguns anos. O Estúdio Fupete, era meu estúdio e também uma galeria que compartilhamos.
E: Foi aí que começamos a trabalhar juntos.
F: Sim. Foi nosso primeiro ano trabalhando juntos. Há sete anos… nós tínhamos essa galeria e depois de um ano tudo ia muito bem, mas em algum momento percebemos que estávamos indo em uma direção que não estava levando-nos onde queríamos chegar. Houve muito envolvimento na galeria e Roma é muito caro. A certa altura optamos por deixar tudo para trás e voltar para a Toscana, na zona rural, de volta à nossa origem. Após sete anos, posso dizer que foi uma boa decisão.
E: Nós fizemos a coisa certa. Nós trabalhamos muito bem lá e como não temos muitos recursos temos de improvisar.
F: Há muitos limites. Estamos longe de tudo e isso nos limita de uma certa maneira. Quando eu faço oficinas com crianças eu sempre tento ensinar que os limites levam à liberdade, sabe? Se você conhece os limites, você sabe o que tem que fazer para ser livre.
E: Se você não tem limites, no final não faz nada.
F: É mais difícil trabalhar sem limites.

Vocês gostam de trabalhar em colaboração com outros artistas?
E: Sim.
F: Eu tento… Eu fiz muita colaboração no início da minha carreira, nos últimos anos nem tanto porque nos mudamos para o campo. Sempre trabalho sozinho, a maior parte do tempo pelo menos. Eu fiz alguns projetos com a ROJO envolvendo outros artistas. Têm muitos anos que eu não faço algo em conjunto com outro artista como eu fiz aqui com Yang02. Eu gostei muito quando Takahiro me pediu para fazer algo em sua parede. Não foi planejado. Eu comecei a fazer e nós dividimos uma linguagem, há muitas palavras escritas em japonês. Eu acho que ficou muito legal porque tem essa coisa da máquina misturada com uma mão humana.
E: Onde a gente mora, não têm muitas situações que nos permitam fazer colaboração.
F: Estamos fazendo algumas colaborações com outros tipos de artes, não artes visuais. Estamos fazendo algumas coisas com teatro e música.
E: No ano passado fizemos um monte de coisas nesse sentido.
F: Com outros tipos de artes, sim, gosto de trabalhar em colaboração. Como artes cênicas, por exemplo, nós estamos tentando desenvolver um projeto de desenho ao vivo com tagtool. Estamos tentando usá-lo de muitas maneiras.
E: Com tagtool você pode desenhar ao vivo e projetar a imagem onde você quiser.
F: Sem o computador, você só precisa do tablet e uma parede.

Como começa seu processo criativo?
F: Você vai ter respostas muito diferentes aqui. (risos) Para o meu processo eu preciso fazer muita bagunça no começo.
E: (risos) Ah! Sim! Nós somos o oposto!
F: A bagunça pode ser qualquer coisa. Pode ser horas procurando referências na web ou em uma biblioteca. Pode ser um desenho de qualquer coisa e então eu passo dias desenhando, depois de alguns dias eu volto para a minha bagunça e tento descobrir o que posso tirar de tudo aquilo. Às vezes eu acordo no meio da noite para desenhar ou escrever. E na manhã seguinte eu percebo que tive uma idéia e parto daí. Isso já aconteceu muitas vezes, mas a idéia sempre vem da confusão que eu fiz dentro de meu cérebro dias antes (risos). Eu preciso de um monte de coisas e informações para estimular o meu processo.
E: Para mim é diferente. Eu preciso ver muitas coisas para visualizar a minha idéia.
F: Isso é bom e é uma das coisas que eu amo dela. Eu a conheci durante um período da minha vida em que era muito difícil para eu escolher o que era bom e o que não era bom do meu trabalho. Depois que nos conhecemos ficou fácil, ela olha e fala “Ah! Isso é bom!” ou “Não! Isso não é bom! Horrível!” (risos) É pura intuição!
E: Sim. É muito simples, não? Sou muito intuitiva.
F: Eu não sou intuitivo.
E: Ele é muito racional.
F: Um monte de gente me vê pintar e acha que eu trabalho completamente aleatório porque eu faço muita bagunça. Mas pra mim é como uma dança e é um fazer estritamente relacionado ao cérebro. Quando você dança, você pode fazer gestos aleatórios sim, desde que você saiba a base. Para mim trata-se de harmonia, se eu pinto aleatoriamente, esse quadro vai acabar no lixo, com certeza. Eu preciso ter ritmo, e isso é completamente intuitivo. É difícil explicar, por exemplo, quando um ator é realmente bom, você sabe que ele é bom mesmo que ele não esteja atuando, você saber pela sua presença apenas.
E: Não é fácil explicar este processo… Eu não sou como ele, eu não tenho um monte de idéias o tempo todo.
F: Na maioria das vezes ela se cansa. (risos)
E: Então, eu acho a gente complementa.
F: Não em todos os aspectos, mas somos complementares, sim.
E: Eu posso escolher o que é bom do trabalho dele e ele me dá um monte de idéias!
F: Um monte de gente que conhecemos durante os festivais pensam que eu falo muito e que ela é quieta. Mas na vida real nós somos o oposto, ela faz a falação e eu sou muito tranquilo.
E: Ele só fala com artistas e pessoas ligadas à arte! (risos)
F: E ela fala muito! (risos) Quando você está em um festival, é como ter muita água em um copo, e se você não se livrar de parte dessa água vai derramar tudo no chão. E eu preciso falar muito com outros artistas e as pessoas que encontro. A maioria delas estou sendo apresentado pela primeira vez.
E: Já eu, gosto de observar os outros artistas.

Quando você sabe que o trabalho está pronto?
E: Eu sinto!
F: Ela é muito intuitiva, então… Pra mim é estranho… Talvez quando eu não ouvir mais sons. Quando eu estou desenhando eu estou com meus fones de ouvido, mas posso trabalhar sem com meus próprios sons e ritmo. E em um certo ponto esse ritmo simplesmente desaparece! Aí sim está acabado.
E: Eu acho que ele verifica todas as possibilidades antes de terminar suas obras, não?
F: Sim, talvez. Eu já errei muito colocando mais uma camada de tinta! Então, eu estou começando a aprender quando o trabalho está pronto. (risos) E tem a ver com felicidade também, porque se o trabalho estiver realmente concluído, você está feliz. Você sente que você deu vida a um filho de certa maneira. Você não pode ficar triste se der vida a alguém.

O que inspira vocês?
E: Nós olhamos um monte de coisas na Internet. E um monte de coisas fora da Internet também: livros, imagens, outros artistas e outros argumentos. Experimentar é também muito inspirador!
F: Ela disse provavelmente muitas das coisas que também me inspiram. O que ela não disse é que trabalhar na floresta, no campo inspira muito os dois.
E: Viajar e ficar na natureza realmente me inspira!
F: Eu acho que se inspirar está relacionado ao fato de fazer arte, então também pode ser considerado como inspiração a dificuldade de ser um artista hoje, pelo menos para mim. Você pode usar uma grande quantidade de informações práticas, ler livros, esboçar… mas eu acho que o principal argumento sobre o que me inspira é essa dificuldade, é isso que me faz seguir em frente! É muito difícil ser um artista hoje em dia.
E: É seguir seus sonhos e ser corajoso para seguí-los…
F: Ou estupidez, talvez (risos). Quando comecei a trabalhar como designer gráfico, é claro que eu tinha mais dinheiro e eu sei que eu posso fazer esse trabalho. Mas isso não é quem eu sou. Eu não posso mais fazer isso. No final, não se trata de quanto você tem, mas sim a riqueza a arte traz no seu interior. Além disso, o período e momento da vida que você está vivendo inspira o trabalho, não podem ser separados. Como este trabalho que estamos fazendo aqui, nós queríamos fazer isso há muito tempo, mas se fizéssemos isso em casa, não faria qualquer sentido. O fato de que estarmos aqui torna o trabalho possível. O festival em si é uma inspiração para este trabalho.

Qual é o seu tipo de música preferido?
E: Pra mim…
F: Pra você é muito simples: Rock.
E: Sim. Rock.
F: De Metallica a ACDC. (risos)
E: Sim! (risos) e eu também gosto de música experimental, qualquer tipo de música que faça você ir para a frente. E eu não gosto de música eletrônica.
F: Eu notei que a maioria das pessoas que você fez esta pergunta mencionou suas bandas favoritas… mas eu não consigo responder assim. Eu escuto muita música, mas é completamente aleatório.
E: Se eu pensar em uma banda pra citar, talvez diga The White Stripes, mas são muitas! Eu ouço um monte de coisa e eu não me lembro os nomes das músicas ou bandas, porque eu simplesmente não quero. É muita música!
F: Todo artista que visita a nossa casa é convidado a deixar uma playlist no nosso computador. Temos horas e horas de música. Muitos delas eu nunca ouvi em toda minha vida! Nosso relacionamento com a música… Ah! Relacionamento é bom! Nossa relação com a música é empatia. Talvez se eu tivesse que dizer um artista eu iria com Keith Jarett. Sua música salvou minha vida… Eu aprendi que a música também pode ser um medicamento.

Como você descreveria a energia do NOVA?
F: Você vai primeiro. (risos) Eu sempre coloco ela na frente, sempre.
E: Eu acho que a energia aqui é perfeita. Você pode falar e conhecer os artistas que vivem em outra parte do mundo e ver o que eles estão fazendo. É muito inspirador! Eu acho que é muito, muito legal. Para mim, isso é real. Muito bacana mesmo!
F: Estou muito feliz de estar aqui e muito honrado. Estou orgulhoso de ter sido convidado pelo David. Essa semana que passou foi muito intensa, muito viva e engraçada! E foi perfeito para o meu processo criativo. Eu amo a idéia de que existem pessoas me assistindo trabalhar.

So Vast is Art, Brasil 2012 — source: http://juchohfi.tumblr.com/post/21382829874/fupete

 
 
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